Ensaio sobre a cegueira.
Não podemos dizer que seja uma história bonita, portanto não diremos. É terrível. Pessoalmente acho que o senhor Saramago não teve na sua vida grandes sofrimentos, por isso criou-os artificialmente. Mas no exercício da sua liberdade narrativa teve esse privilégio e exerceu-o. É legítimo e fi-lo. Nós coitados leitores caímos voluntariamente na armadilha. Dez vezes quis abandoná-lo, dez vezes recomecei. Com tantas coisas que há para ler, dizia para mim… Mas quis ter a experiência Saramago. Não li outro dele antes. Esperei a ter um nível mínimo de português para poder lê-lo em original. E fiz.
Foi um excesso de confiança. Esta história não dá para muita ironia, ainda assim subjaz uma leve ironia marca Saramago e isso é precisamente o que o meu fraco nível de português não me permitiu perceber na sua totalidade. Há eruditos leitores que falam de uma metáfora de… Não sabem de que. Não acredito. É um exercício de provocação do autor, porque o Senhor foi um provocador. Com certeza queria experimentar as reações dos leitores e sorrir com as interpretações dos sôfregos acólitos e corifeus dele. Porque o Senhor tinha leitores e seguidores. Ao final acho que foi uma brincadeira macabra.
Não direi se as personagens estão bem trazidos ou não, o que sim, que se percebe é um retrato da sociedade portuguesa incluso nas situações mais extraordinárias: a submissão da mulher ao homem; o respeito, mas antes o temor às autoridades. etc. É certo que há uma subtil rebelião destas. De facto, as personagens femininas têm, na obra, uma dignidade maior do que os homens protagonistas. Neste sentido é um livro moderno. Mas estas se entregam mansamente a um acontecimento terrível. Não tentam de iludi-o. Em geral, não há luta; desde o princípio há uma aceitação mansa da fatalidade. Além disso as personagens têm um bocado do universo Disney. Em Disney os maus são maus e os bons são bons. Sem aristas. Cá também os maus não têm luzes só sombras. Os bons, são os que têm aristas; cobardias, fraquezas, também generosidade.
Não é recomendável esta obra para gente com insónias, hipocondríaca, tendência depressiva… Porque para sofrer já está a vida mesma. Pelo contrário, para a gente com excesso de otimismo pôde ser um bom regulador da insultante e perene alegria.
É curiosa essa tendência de alguns autores portugueses de praticar excentricidades na escrita, a saber: não por vírgulas ou pelo contrário apenas vírgulas e alguma vez um ponto; também não por travessão de diálogo; só usar minúsculas… Entre os escritores espanhóis só ao grande Juan Ramón Jiménez lhe foi permitido a excentricidade de usar, para o som “j”, em espanhol só a letra j, tendo em conta que por exemplo o apelido Jiménez existe, mas Giménez também. E ele foi Nobel. Bem, também Saramago.
Apesar de entrar em todas as excentricidades descritas, exceto a questão das minúsculas, entende se tudo bem; está muito bem escrito. A prosa é fluida. A leitura desta história produz, porém, mais dor do que prazer. Mas o lido, não se esquece facilmente. E isto em literatura é um logro
Manuel de Portugal