As Palavras mais Usadas nos Fados.
Quando se começa uma nova língua, enceta-se uma relação com ela que pode ser comparada, se os leitores me desculparem, com o inicio de un novo amor. Tudo é fascinação. Portanto, é um momento único de atenção. Os sentidos hão de estar alerta. Depois pode-se amar mais ou menos, mas as primeiras sensações são irrepetíveis. E, sobretudo, a rotina ainda não desfez o primeiro encanto/charme/feitiço.
Aqueles que acharem que se pode aprofundar numa língua sem interessar-se pela cultura e as formas de vida do país que a entranha, estão errados. É só uma opinião. A música, as músicas são também hoje, ontem e, quem sabe, amanhã, a expressão de um povo, nomeadamente as tradicionais. Sobre tudo as musicas tradicionais. Há poucos países onde uma música tradicional que não está morta, mas antes viva, está em evolução, está a reinvertar-se… Estou a falar do fado. O fado é uma música do sentimento. É a grande música do sentimento urbano, irmanada com as outras músicas urbanas e do sentimento: o tango e o flamenco. Não há dúvida, o tango e o flamenco são mais conhecidos internacionalmente, mas atenção; o tango sabe-se que existe, mas hoje é ignorado pelos argentinos; o flamenco sabe-se que existe, mas os espanhóis não temos sabido perdoar que fosse mimado pela ditadura do velho Franco. Mas parece ser e, de facto, é, que o fado é amado, é ouvido, é cantado pelos portugueses. Talvez não sejam muitos em números absolutos, mas é uma grande percentagem.
Este espanhol escrevinhador tinha ouvido a grande Amália Rodrigues. O único contacto com o mundo do fado era ela. Ela é o fado, com certeza, mas não é o fado todo. Quando este homem começa com a língua, ao mesmo tempo estreia-se com o fado. Com outros cantores, e, sobretudo outras cantoras. Também Amália, sempre Amália. O fado na voz das mulheres alcança outra dimensão. E o nosso homem vai-se intumescendo de língua e de fado.
Agora que a primeira fascinação ainda está presente, o escrevinhador de cadernos cibernéticos quer pôr por escrito palavras, as palavras que sacudiram a sua sensibilidade, as palavras mais usadas nos fados. Se não são as mais usadas, pede desculpas, mas, por favor, não digam que está errado. Deixem-no sonhar.
As palavras:
Fado. Assim sabemos de que estamos a falar.
Fadista. Pessoa que escreve, compõe ou canta fados. Aquele que gosta dos fados. No contexto dos fados é homem ou mulher que vive uma e numa vida de fado. Às vezes identifica-se com o mesmo fado: Porque do fado sou eu.
Lisboa. A Cidade. Mulher, menina, moça e mãe. Tudo acontece em Lisboa. Não há mais cidade que Lisboa. Também está Coimbra, mas Coimbra, menina e moça… Não sei.
Deus. Tudo é por vontade de Deus, nomeadamente, no fado antigo.
Saudade. A saudade aperta, mas ao mesmo tempo é a origem de tudo; sem saudade não havia fado nem fadistas como eu.
Andarilho/andarilha. As criaturas do fado são andarilhas; vão de um fado a outro fado.
Mágoa, magoado. Condição sine qua non para ser fadista.
Dor. Quase o mesmo que mágoa, mas menos romântico.
Lua, noite. Tudo acontece na noite e a lua é a sua testemunha.
Céu, luar. O céu é o grande ecrã onde tudo se reflete. Luar e o milagre que o fadista procura a noite. Milagre do céu.
Loucura. Estado ideal do fadista. Bendita essa loucura de cantar e de sofrer.
Bairro. Para recalcar a origem humilde do fado.
Mar. Onde tudo começou e onde tudo vai morrer.
Gaivota. Se o galo é o animal totémico de Portugal, a gaivota é o animal do fado.
Xale. Uma fadista sem xale, não é ninguém.
Os nomes próprios do fado.
Tejo. É o Nilo de Lisboa. Eles não reconhecem, mas é a grande contribuição dos espanhóis ao fado, a Lisboa é a Portugal. Também o Douro, mas essa é outra história.
Alfama. Não tenham medo da fama /De Alfama mal afamada /A fama ás vezes difama /Gente boa, gente honrada… (Ricardo Ribeiro).
Os verbos do fado.
Lembrar, esquecer. As duas faces da mesma moeda.
Morrer. Pensamento onipresente do fadista.
Sofrer. Sentimento de auto-complacência.
Olhar. Usa-se, sobretudo, como substantivo.
Bater. O coração bate. É uma ação independente. A vontade não intervém.
As mais destacadas.
Peito, janela, coração. Tudo está no peito. O coração está no peito. E o fado é a música das janelas.
Manuel de Portugal